Folha de São Paulo, 4/outubro de 22017

Martin Hogbom/Royal Swedish Academy of Sciences
Ilustração mostra o grande ganho em resolução após o desenvolvimento da criomicroscopia eletrônica
Ilustração mostra o grande ganho em resolução após o desenvolvimento da criomicroscopia eletrônica

MARCELO LEITE

Marin van Heel, 68, um holandês bem-humorado que fala português com fluência, já resvalou no Prêmio Nobel de Química duas vezes. A última delas nesta quarta-feira (4), com a láurea para criomicroscopia eletrônica.

Por volta de 1998 ou 1999, ele havia feito uma aposta com o cristalógrafo Venkatraman Ramakrishnan, presidente da Real Sociedade britânica: quem obtivesse primeiro a estrutura do ribossomo (máquina de fazer proteínas em cada célula) pagaria um jantar vegetariano.

Em 2009, Ramakrishnan ganhou o Nobel com Thomas Steitz e Ada Yonath. Eles tinham decifrado o ribossomo antes de Van Heel.

O holandês, que hoje trabalha no Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano/CNPEM), em Campinas, não esmoreceu. Seguiu desenvolvendo o método de preparação de amostras por resfriamento rápido em meio aquoso não congelado, útil para estudar moléculas biológicas difíceis de cristalizar.

Van Heel teve contato direto com dois dos nobelistas de 2017. Conheceu Richard Henderson no Instituto Max Planck Fritz Haber, em Berlim. Com Joachim Frank trabalhou no final de 1979 na Universidade do Estado de Nova York em Albany.

Com Henderson e Frank, conquistou o Prêmio Wiley de Ciências Biomédicas de 2017, justamente pelo desenvolvimento da criomicroscopia.

Em entrevista por telefone desde o LNNano, o pesquisador disse ter estranhado a ausência do nome de Jacques Dubochet (o outro nobelizado) no Wiley. Ele teria sido o pioneiro no campo da vitrificação da água para observar moléculas biológicas.

No Nobel, foi Van Heel quem ficou de fora. Mas ele não responde diretamente se ficou decepcionado, apenas ri. “Vamos sair dos indivíduos. Muito bom que o prêmio foi para microscopia”, diz.

“Você vê as biomoléculas em ação. Isso tem um valor enorme no mundo medicinal e farmacêutico. A indústria está entrando com muita força. Um país como o Brasil, do tamanho da Europa, precisa disso”, diz o cientista.

Van Heel tem uma longa história com o Brasil. Morou aqui até os 11 anos, em Porto Ferreira (SP), enquanto o pai era gerente da Nestlé e ensinava pecuaristas a criar gado leiteiro holandês. “É um país mágico para mim.”

Retomou contatos mais estreitos já nos anos 2000, com visitas periódicas para ensinar técnicas de criomicroscopia em cursos -“Single Particles in Brazil”- que hoje estão entre os mais requisitados do mundo. O primeiro deles, em 2005, foi na Fazenda Três Lúcias de sua infância, em Santa Rita do Passa Quatro (SP), que se tornara o luxuoso Hotel Fazenda Glória.

Em maio passado, já aposentado compulsoriamente da Universidade de Leiden (Holanda) por ter feito 65 anos, começou a trabalhar no LNNano, com o qual já colaborara no passado.

Marin van Heel até hoje não pagou o jantar vegetariano para Venkatraman Ramakrishnan, mas promete fazê-lo em sua próxima viagem a Londres.

E acrescenta, satisfeito, que sir Venki, como é conhecido, não usa mais cristalografia, e sim criomicroscopia, para investigar biomoléculas.

Repercussão: Folha de São Paulo (impresso), Amazonas em Tempo (impresso), Mega Arquivo, TN Online, Bem Paraná, Aqui Notícias,

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