TN Online, 4/outubro de 2017

PHILLIPPE WATANABE

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As fotografias, filmes e movimentos da vida foram os premiados no Nobel de Química deste ano. Se estiver achando muito poético, o nome técnica premiada é criomicroscopia eletrônica.

Os laureados foram Jacques Dubochet, da Universidade de Lausanne, Joachim Frank, da Universidade Columbia e Richard Henderson, da Universidade de Cambridge.

“Achava que o prêmio iria para o Crispr [mecanismo de edição genética]”, afirmou Joachim Frank. “Pelo sotaque sueco eu soube o que era”, disse, com a tranquilidade de quem ganhou um Nobel nesta quarta (4).

Com a criomicroscopia é possível congelar moléculas em meio a processos bioquímicos, e, dessa forma, visualizar e analisar com precisão a superfície delas e o funcionamento do maquinário orgânico. A técnica, por exemplo, foi utilizada no estudo do vírus da zika durante o surto de microcefalia no Brasil.

O método é uma evolução da microscopia eletrônica -área de pesquisa Henderson-, que permite, a partir do uso de um feixe de elétrons, a visualização de minúsculas estruturas e até mesmo da posição individual de átomos em equipamentos de alta resolução.

Um dos problemas do microscópio eletrônico é o fato de o feixe de elétrons incinerar o material biológico analisado, como o DNA e proteínas. Além disso, o microscópio eletrônico necessita de vácuo para seu funcionamento, o que também danifica as moléculas vivas observadas, secando-as e tornando menos precisas as imagens obtidas.

Frank trabalhava em uma forma de gerar imagens tridimensionais de moléculas.

Para isso, o cientista de Columbia se utilizou do microscópio eletrônico e das imagens bidimensionais que este gera. Frank, então, jogou a informação em um software desenvolvido por ele que, a partir do reconhecimento dos diferentes ângulos da molécula analisada, conseguiu criar uma imagem 3D da partícula.

Mesmo assim, persistiam os problemas de análise de material vivo pela microscopia eletrônica. E é aí que entra Dubochet.

VIDRO

Para transpor os problemas da análise com microscópios eletrônicos, o pesquisador da Universidade de Lausanne teve a ideia de congelar em altíssima velocidade o material orgânico analisado. Para isso, usou o processo conhecido como vitrificação, no qual o material se ‘solidifica” ainda em estado líquido.

Forma-se, então, o vítreo, material que parece sólido mas é fluído –com moléculas desordenadas. As pesquisas se uniram conforme Frank passou a utilizar a técnica de “fazer vidro” de Dubochet para obter imagens 3D.

“A criomicroscopia é basicamente conseguir uma foto, com resolução atômica, de uma espécie biológica”, afirma Guilherme Oliveira, pesquisador do Cenabio/UFRJ, que hoje está na Universidade da Virgínia, nos EUA.

Segundo Oliveira, em 3 segundos é possível fazer entre 100 e 200 dessas “fotos”.

Porém, a precisão e a qualidade dos modelos 3D obtidos inicialmente ainda eram baixas, e as imagens lembravam uma espécie de gosma.

Com a melhora na resolução dos microscópios, a massa disforme ganhou contornos mais precisos. “E daí?”, você pode estar se perguntando.

A visualização precisa por criomicroscopia eletrônica das membranas (os contornos) das proteínas dá um passo além do que havia sido alcançado por outras tecnologias de imagem –como a cristalografia de raios X. As aplicações médicas da nova técnica são o destaque.

“Conhecendo a estrutura de uma molécula viral, você consegue desenvolver uma intervenção terapêutica para anular o efeito do patógeno”, afirma Oliveira, referindo-se às estruturas da membrana dos patógenos, costumeiros alvos de drogas.

Rodrigo Portugal, pesquisador do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais) diz que a técnica é importante para compreender o funcionamento geral dos organismos.

Contudo, ainda há muito a evoluir. Segundo o laureado Frank, a resolução dos microscópios pode melhorar ainda mais, possibilitando visualizações ainda mais precisas. O tempo é outro problema.

“Nós não conseguimos ver agora algumas estruturas intermediárias [no meio dos processos do maquinário bioquímico], que propiciam mais informações sobre o mecanismo, diz Frank.

Entre os próximos passos, está “fazer filmes das moléculas fazendo seu trabalho, o que não era possível antes”, conclui o novo nobelista.

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