Por Revista Galileu m 19/11/2020

Sirius: o que é e como funciona o acelerador de partículas brasileiro

O início da operação de uma estação de pesquisa do Sirius, em Campinas (SP), representa um grande salto das pesquisas científicas, que poderão utilizar recursos ainda inéditos no mundo

O que é e como funciona o Sirius, o acelerador de partículas brasileiro (Foto: Divulgação/CNPEM)

O que é e como funciona o Sirius, o acelerador de partículas brasileiro (Foto: Divulgação/CNPEM)

Imagine se fosse possível, em 20 anos, dar um salto tecnológico das fotos feitas pelas primeiras câmeras fotográficas do século 19 para os mais modernos equipamentos digitais de vídeo do século 21. É exatamente isso que está acontecendo em Barão Geraldo, bairro boêmio de Campinas (SP), onde está não apenas a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mas também o Sirius.
Batizado com o nome da estrela mais brilhante do céu noturno, o acelerador de partículas de 68 mil metros quadrados inaugurado em 2018 é a maior e mais complexa infraestrutura de pesquisa já construída no Brasil. Orçado em R$ 1,8 bilhão, ele promete viabilizar estudos nacionais de qualidade sem precedentes no mundo.
Mas o que seria um acelerador de partículas? Bem, diferentemente da câmera que capta paisagens e pessoas, essa imensa máquina consegue revelar detalhes das estruturas dos átomos. O Sirius é considerado um equipamento de quarta geração, que compete com um instrumento parecido na Suécia, inaugurado em 2016, e com o upgrade do European Synchrotron Radiation Facility (ESRF), na França.

Ele é diferente, por exemplo, do Grande Colisor de Hádrons (LHC), na Suíça. Neste, as partículas são aceleradas à máxima potência a fim de criar colisões para se investigar o núcleo dos átomos, gerando condições análogas às que teriam criado o Universo, no Big Bang. Já o Sirius acelera elétrons próximo à velocidade da luz, numa via na qual todos caminham numa mesma direção sem um trombar no outro, e até uma energia fixa de 3 giga elétron-volt (GeV). O LHC, por sua vez, pode dar energia máxima de 7 mil GeV.

A medida de energia é o joules, mas para eventos muito pequenos como a energia de átomos e elétrons, a unidade de medida utilizada é o elétron-volt, que é a energia adquirida por um elétron quando submetido a uma tensão de 1 volt. Para se ter uma ideia da energia dos elétrons que circulam no Sirius, é como fosse possível aplicar o choque de 1 bilhão de baterias de 3 volts, aquelas usadas em relógios, em um elétron. E com essa energia, os elétrons passam por dois aceleradores até chegar ao anel principal de armazenamento, de 518,4 metros de circunferência.

Para realizar curvas, são usados poderosos ímãs, chamados dipolos. Toda vez que entra em ação a força do dipolo, os elétrons se convertem em luz. A luz resultante desse processo é a luz síncrotron, de altíssimo brilho e que passa pela luz visível, ultravioleta, infravermelho e, especialmente, raios-x. Estes são a grande ferramenta para se investigar os átomos, a principal partícula buscada pelos pesquisadores.

Orçado em R$ 1,8 bilhão, o Sirius tem 68 mil metros quadrados (Foto: Divulgação/CNPEM)

Orçado em R$ 1,8 bilhão, o Sirius tem 68 mil metros quadrados (Foto: Divulgação/CNPEM)

Além dos dipolos, o Sirius tem ainda um conjunto adicional de ímãs chamados “onduladores”. Eles são uma sequência de ímãs que realizam zigue-zagues nos elétrons durante a curva e que colaboram para que a luz produzida seja 10 mil vezes mais intensa do que a gerada no UVX, o primeiro aparelho de luz síncrotron do país, inaugurado na década de 1990 e que foi desativado para dar lugar ao Sirius. “Era como tirar uma foto com baixa iluminação. O Sirius, por ter muito mais intensidade, consegue fazer isso de forma mais rápida, como se fosse um filme versus uma foto”, compara Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e do projeto Sirius. Outra comparação interessante é que o UVX era como uma lanterna, com baixa luminosidade espalhada em muitos ângulos; já o Sirius seria como uma ponteira a laser, com foco preciso e de alta intensidade.

O objetivo é criar um total de 38 linhas de pesquisa nos túneis para onde a luz síncrotron é canalizada e nos quais podem ser realizados diversos experimentos. Para ter ideia, um dos túneis chega a 145 metros de comprimento, espaço fechado a vácuo onde ficam diversos equipamentos extremamente sensíveis que captam a luz que difrata das amostras e controla energia e intensidade.

Como é possível mais de uma estação de pesquisa em algumas das linhas, haverá um total de 40 estações. Cada linha passa por um comissionamento técnico e um comissionamento científico. No primeiro caso, os equipamentos são testados sem experimentos; no segundo, pesquisadores que têm experiência com a extração de dados do acelerador são chamados a testar seus estudos. Até o início de 2021, cinco linhas devem entrar em processo de comissionamento técnico; e um total de 14 linhas devem ser entregues até o começo de 2022.

Potência contra a Covid-19

Em decorrência da pandemia de Covid-19, o comissionamento técnico da linha Manacá, exclusivamente voltada para biologia molecular, foi acelerado. Em março deste ano, o comissionamento científico teve início já com pesquisas de cristalografia de proteínas do Sars-CoV-2, na busca de conseguir soluções para se criar medicamentos contra o novo coronavírus.

As pesquisas aconteceram em dois momentos, com cientistas do Laboratório Nacional de Biociência (LNBio), do CNPEM, e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Em julho, os cientistas do LNBio conseguiram desvendar duas estruturas em três dimensões inéditas da proteína 3CL, que tem importante papel na replicação do vírus nas nossas células. E o grupo de São Carlos buscou analisar estruturas de cristais de proteína do vírus para avaliar que tipos de substâncias se ligariam a elas, no intuito de impedir o Sars-CoV-2 de infectar as células. “Os dois grupos obtiveram estruturas bem promissoras, que estão envolvidas no metabolismo viral e em processo de replicação dos vírus”, explica Mateus Cardoso, pesquisador do CNPEM e chefe da Divisão de Materiais Moles e Biológicos do Sirius, sem dar maiores detalhes sobre as pesquisas.

Estrutura da proteína 3CL (Foto: CNPEM)

Estrutura da proteína 3CL (Foto: CNPEM)

Mas, para que se transformem em medicamentos, essas pesquisas têm um longo caminho a percorrer. “Em primeiro lugar, foi uma felicidade enorme porque, de fato, o equipamento entrou em funcionamento, o que muitos duvidavam. Temos melhores ajustes a fazer e começar a dar mais resultados”, diz Silva.

A linha Manacá, por exemplo, voltou do comissionamento técnico em outubro. Dentro do túnel da linha de pesquisa, há um equipamento chamado monocromador, que seleciona o nível de energia a ser aplicada nas amostras. Para acelerar os estudos com a cristalografia do vírus, utilizou-se uma faixa fixa de energia, que agora precisa de ajustes para ampliar a gama de aplicações.

Outras aplicações

Além das pesquisas sobre Covid-19, o Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), do CNPEM, realizou na Manacá estudos com enzimas de biomassa de cana-de-açúcar, com o objetivo de conseguir novas formas de aproveitamento da energia renovável. Das 38 linhas do Sirius, sete serão dedicadas exclusivamente ao estudo da biologia molecular. E será possível pesquisar materiais tão diversos como células humanas e rochas de poços de petróleo a novas tecnologias de energia renovável, máquinas industriais e até novos telescópios e receptores de radiação cósmica.

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