Revista Pesquisa FAPESP em Janeiro de 2017

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As novas tecnologias, à parte os numerosos benefícios para a sociedade, sempre trazem alguma preocupação pela possibilidade de provocar prejuízos à saúde humana ou ao ambiente. Com a nanotecnologia ocorre o mesmo. No início de dezembro, pesquisadores brasileiros participaram da elaboração final do NANoREG, um projeto da União Europeia, iniciado em 2014, que tem o objetivo de levantar informações e apresentar um conjunto de propostas de avaliação de risco aos órgãos reguladores dos países e às indústrias abordando aspectos de segurança da nanotecnologia. Na conferência, um grupo de 180 especialistas de vários países debateu a relevância da regulamentação e aplicabilidade dos resultados baseados na ciência gerada nos últimos 10 anos sobre o uso de nanomateriais em relação ao meio ambiente, saúde e segurança.

“Estamos quebrando vários mitos com o NANoREG”, diz o patologista Wagner Fávaro, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele foi o representante do Laboratório de Síntese de Nanoestruturas e Interação com Biossistemas (Nanobioss) da Unicamp, na conferência final do NANoREG realizada em Paris pela Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). “Com uma ampla rede de instituições de pesquisa que incluiu, além dos europeus, pesquisadores convidados do Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, do Brasil e da Coreia do Sul, conseguimos chegar a resultados científicos importantes: saber qual tipo de nanotubo passa pelas barreiras biológicas ou conseguem se acumular dentro da célula, por exemplo”, conta Fávaro. “Os trabalhos apresentados nessa conferência demonstraram claramente que muitos métodos e abordagens científicas foram validados e são confiáveis para regulamentações a curto prazo. É um trabalho imenso porque cada teste precisa ser pensado para cada material. Muitos tiveram de ser refeitos sob padrões previamente acertados para evitar resultados divergentes, como era comum há pouco tempo.”

A participação brasileira no NANoREG teve sete grupos de instituições de pesquisa sob a coordenação do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Os resultados dessa conferência serão apresentados em um livro, em meados de 2017, na forma de recomendações que possam constar em futuros regulamentos em torno do tema, de como testar e avaliar os efeitos e riscos de cada nanomaterial.

O grupo da Unicamp, que, além de Fávaro, tem também a coordenação de Oswaldo Alves e Nelson Durán, ambos do Instituto de Química (IQ), apresentou na conferência do NANoREG um estudo em conjunto com pesquisadores dinamarqueses com avaliações histopatológicas e toxicológicas de amostras teciduais de rins de camundongos que receberam diferentes tipos e concentrações de nanotubos pela traqueia. O resultado final indicou que o material se acumulou nos pulmões, depois caiu na circulação sanguínea e, por fim, se acumulou nos rins. Nesse órgão, os nanotubos provocaram inflamações e não foram eliminados naturalmente.

Cuidado no descarte
Um dos estudos pioneiros nessa área no Brasil foi realizado em 2008 por um grupo do IQ-Unicamp junto com o Instituto de Pesca em Cananéia (SP), sob a coordenação de Oswaldo Alves. “Conseguimos mostrar que nanotubos de carbono, quando em contato com pesticidas usados na lavoura, aumentam consideravelmente a toxicidade para peixes [ver Pesquisa FAPESP nº 226].” A ideia foi simular em laboratório um possível encontro, via descarte, de nanotubos e pesticidas em ambientes aquáticos. “Descobrimos que os nanotubos são excelentes concentradores de pesticidas, que ficam presos nas guelras e contaminam o peixe”, explica Alves. “Os nanotubos são muito bons para uso em sensores e em chips, por exemplo, mas é preciso cuidar do descarte.” Isoladamente, o material não indicou nenhum sinal de toxicidade aguda até o limite de 3 miligramas/litro, mas aparentemente causou uma redução no consumo de oxigênio e na eliminação de amônia pelos peixes.

“Nos laboratórios, na pesquisa básica ou aplicada, é fácil controlar e destruir esses materiais porque as quantidades são muito pequenas, mas quando muda a escala para um sistema industrial a situação é outra”, alerta Fernando Galembeck, professor do IQ-Unicamp e ex-diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano). “A diretriz que pratiquei no LNNano é que nenhum nanoproduto deve ser desenvolvido tecnologicamente sem que os seus riscos toxicológicos e ambientais sejam avaliados, começando o mais cedo possível. Precisamos saber quais são os riscos ainda nas fases iniciais da pesquisa, porque o desenvolvimento tecnológico envolve grandes gastos. Qualquer empresário, diante de qualquer nova descoberta, preocupa-se com a possibilidade de riscos ambientais e toxicológicos”, afirma.

Em 2015, o pesquisador esteve na Câmara dos Deputados, em Brasília, na Comissão Mista de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática para apresentar a sua posição, então como diretor do LNNano, sobre dois projetos de lei do deputado José Sarney Filho (PV-MA): o de número 5133/2013, que prevê a rotulação de produtos que contenham nanotecnologia, e o 6741/2013, que trata sobre a Política Nacional de Nanotecnologia, envolvendo a pesquisa, a produção, o destino de rejeitos e o uso da nanotecnologia no país.

“Sobre a rotulagem, enumerei, em uma leitura literal do projeto de lei, vários tipos de produtos familiares e bem conhecidos que passariam a ser rotulados, como manteiga, margarina, leite, cosméticos, sabonetes, pneus e tintas. Esses produtos têm e sempre tiveram partículas e outras estruturas nanométricas na sua composição. Por exemplo, o fosfato de cálcio contido no leite está na forma de nanopartículas”, explica. “Em relação ao outro projeto, mostrei que a sua redação compromete todos os projetos de pesquisa e desenvolvimento em nanotecnologia no país porque precisaríamos registrar o que faríamos, antes de começar o projeto, em um órgão estatal. Isso é impossível e incompatível com a própria natureza da pesquisa, que é um salto no desconhecido.” Os projetos estão agora tramitando na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços.

“Qualquer pessoa que tenha trabalhado na área química nos últimos 40 anos sabe que um produto novo pode envolver riscos. Ele tem que passar por avaliações ambientais e de riscos à saúde e a indústria precisa de padrões de segurança muito altos”, avalia Galembeck. “Na nanotecnologia podemos regular o que sabidamente provoca riscos significativos e devemos pesquisar o que não se conhece, para aumentar a segurança do público e do empreendedor. Entretanto, as atividades de regulação, no Brasil, têm sido a fonte de muitos prejuízos para a pesquisa científica, para as empresas e para o desenvolvimento do país. Abusos de regulação são uma parte importante da insalubridade do ambiente de inovação no Brasil.”

Segurança na fábrica
O debate sobre os possíveis problemas que poderiam ser causados pela nanotecnologia existe há alguns anos no país. “Começamos a discutir esse tema por volta de 2002 levantando riscos, mas, no primeiro momento, fui acusado de ‘fogo amigo’ pelos colegas pesquisadores da área”, lembra Alves. Em 2013, ele foi um dos coautores de um dos primeiros livros a esse respeito no país: Nanotoxicology: Materials, methodologies and assessments (Nanotoxicologia: Materiais, metodologias e avaliações), publicado pela Springer. A mesma editora tem uma série dedicada ao assunto, coordenada pelo professor Valtencir Zucolotto, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP).

Na área industrial, um livro lançado em 2015 trouxe novas informações para aqueles que trabalham diretamente com nanotecnologia no setor produtivo. Nanossegurança: Guia de boas práticas em nanotecnologia para fabricação e laboratórios tem como autores Leandro Antunes Berti, doutor em nanotecnologia e secretário-executivo do Arranjo Promotor de Inovação em Nanotecnologia (API.nano), uma rede que congrega empresas e instituições para o desenvolvimento industrial sustentável da nanotecnologia no Brasil, que tem sede na Fundação Certi, em Florianópolis (SC), e o engenheiro e doutor em engenharia química, Luismar Marques Porto, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), o livro é um guia prático que apresenta, com uma linguagem didática, definições acessíveis sobre o que é nanotecnologia, quais as aplicações e como está se inserindo na vida cotidiana. A obra é resultado de um levantamento minucioso em órgãos como o FDA, a agência de proteção ambiental (EPA) dos Estados Unidos, entre outras instituições internacionais e de outros países.

“Buscamos evidenciar o paradigma Safety by design [Segurança obtida pelo projeto] e as melhores rotas de desenvolvimento e produção de nanomateriais, centrada no conceito da nanossegurança”, diz Berti. “Mostramos técnicas práticas reconhecidas e os mais modernos métodos de produção e caracterização de nanomateriais.”

Outro livro, lançado em 2016, foi escrito por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) sob coordenação do engenheiro de materiais Antônio Carlos Guastaldi, do Instituto de Química de Araraquara: Engineered nanomaterials: Nanotoxicology issues, nanosafety and regulatory affairs, da Editora Cultura Acadêmica da Unesp. Também são coautores a farmacêutica Carla dos Santos Riccardi, da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp de Botucatu, e o químico Márcio Luiz dos Santos, da Universidade Federal do ABC (UFABC). O interesse de Guastaldi pelo tema apareceu durante os estudos, principalmente em odontologia, do Grupo de Biomateriais que ele coordena na Unesp. “Decidimos fazer um levantamento sobre essa questão e entender o conhecimento mundial sobre o assunto”, conta Guastaldi. Eles encontraram 187 mil estudos, entre 1990 e 2014, com a palavra nanopartícula, enquanto os artigos científicos que continham as palavras nanopartícula e toxicidade atingiram 6,9 mil. Em levantamento feito até 2014 em um banco de patentes internacional, das 20.216 patentes sobre nanotecnologia, apenas 795 têm citações à nanotoxicidade.

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