Por Folha de São Paulo em 15/07/2020
Vinicius Torrers Freire | O Inspire, o ventilador pulmonar criado na Universidade de São Paulo, foi para o hospital: já vai ajudar a salvar 40 vidas no Incor, do Hospital das Clínicas da USP, em uma primeira fase. Foi uma iniciativa e um projeto original de engenheiros da Escola Politécnica, desenvolvido com auxílio da Faculdade de Medicina da universidade e da Marinha do Brasil, que vai fabricar os aparelhos em seu Centro Tecnológico em São Paulo. Deve custar um décimo do preço dos aparelhos comerciais.
Por esses dias, o Sirius mostrou as moléculas de uma proteína do novo coronavírus, um alvo possível para remédios contra a Covid-19.
O que é o Sirius? É o maior projeto da ciência brasileira, um acelerador de partículas (faz elétrons correrem quase à velocidade da luz dentro de um tubo de uma circunferência de mais de 500 metros de diâmetro, por exemplo). É uma espécie de imensa máquina de raios X, que permite enxergar até átomos de células em funcionamento (na verdade, o Sirius emprega vários tipos de radiação, além da ‘X’). Permite pesquisas muito avançadas em biologia, medicina, engenharia de materiais, química, eletrônica, agronomia, combustíveis, uma lista imensa e ainda a descobrir.
O Sirius é uma versão mais avançada, na ponta mundial, do equipamento que opera desde 1997 no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, que fica em Campinas (SP). Nesta semana, abriu inscrições para pesquisadores que queiram estudar o novo coronavírus.
E daí?
São motivos de esperança nesses dias tão sombrios. Há gente de iniciativa e inteligência a quem recorrer. Gente capaz de lidar com vacinas no Instituto Butantan ou na Fiocruz ou biólogos e médicos espalhados por tantos campi, que, aliás, não raro têm de pegar uma bicicleta para ir até um laboratório vizinho pedir emprestado um reagente em falta para terminar uma pesquisa.
Não se trata apenas de gente que inventou e desenvolveu, quase totalmente no Brasil, um laboratório como o Síncrotron, que custa centenas de milhões. Faz tempo e especialmente neste ano de calamidade, médicos e cientistas sociais de tantas áreas que estudam saúde deveriam ter sido chamados para pensar como melhorar o Sistema Único de Saúde, também um grande projeto brasileiro.
O pessoal que trabalha no SUS, alguns tarimbados de mais de 30 anos, outros profissionais de saúde e estudiosos deveriam ter sido chamados para uma comissão nacional de emergência para pensar a epidemia.
Pensar, por exemplo, como fazer com que equipes de saúde de família atendessem os contaminados, orientassem comunidades, rastreassem os outros possíveis contaminados ou mesmo distribuíssem um simples sabão, pois sabemos que até isso fez falta. Não se reuniu gente que pensasse a epidemiologia, a economia ou a sociologia da doença por aqui.
Soa ingênuo essas coisas neste momento de selvageria ainda mais exacerbada no Brasil. É um ambiente em que gente desvairada perversa ou psicologicamente perturbada de modo sinistro em geral ocupa cargos de governo; pessoas para quem as universidades estão lotadas de drogados devassos; que propagandeiam estupidez de modo sistemático, o que chamam de ‘guerra cultural’. Gente capaz de apregoar que pais têm de espancar crianças para educá-las e que defende a opressão das mulheres, de resto com base em leituras ignorantes e desumanas de textos religiosos.
A gente que habita o universo da razão, no entanto, precisa contar desse outro mundo além das trevas. Precisa falar do Inspire, do Sirius, do SUS, pregar as boas novas.
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