Jornal USP em 10/07/2017

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o Instituto de Geociências (IGc) da USP, pesquisadores em colaboração com outras instituições conseguiram identificar no fóssil de um vertebrado tecidos moles – fragmentos de músculos, olhos e outros tecidos. Em três dimensões (3D), foram preservados por dois processos raros de fossilização: a piritização (relacionado ao mineral pirita) e a querogenização (por ação de bactérias). “Trata-se de processos que não são comuns, sendo que a piritização foi identificada pela primeira vez em vertebrados”, afirma o geólogo Gabriel Osés. Ele analisou o fóssil de um peixe da espécie Dastilbe crandalli, já extinta, que viveu na região de lagos, cujo registro está preservado na Formação Santana, na Chapada do Araripe, no Nordeste do País, entre 110 e 120 milhões de anos atrás, no período Cretáceo. Os resultados foram publicados na revista Scientific Reports, do grupo Nature, no artigo Deciphering pyritization-kerogenization gradient for fish soft-tissue preservation.

Os estudos foram realizados no IGc da USP utilizando-se amostras da coleção de paleontologia do instituto. “Selecionamos exemplares que continham os tecidos moles preservados em 3D e os analisamos por meio de microscopia eletrônica e análises geoquímicas”, descreve Osés. Segundo ele, um fóssil geralmente possui suas partes duras preservadas e os tecidos moles preservados podem ser considerados raros. “A espécie estudada vem da unidade geológica Membro Crato, que pertence à Formação Santana. A região, que engloba os estados de Pernambuco, Piauí e Ceará, abrigou um grande lago ou diversos lagos”, conta o geólogo.

“Todas as constatações de nossa pesquisa poderão servir de base para outros estudos geológicos que venham a identificar tecidos moles em fósseis.”

As análises, além de revelar os processos pelos quais os tecidos foram preservados (olhos, fibras e membranas das células musculares), permitem aos geólogos estimarem como era o ambiente à época da fossilização. “Este estudo nos possibilita aplicar o modelo encontrado em outro período mais antigo, que é o Ediacarano, ocorrido há cerca de 540 milhões de anos, na China, no contexto preservacional dos peixes da Chapada do Araripe”, avalia o geólogo.

Piritização e querogenização

Osés explica que o processo de piritização acontece quando as bactérias redutoras de sulfato que decompõem o fóssil precipitam um mineral chamado pirita. “Esta precipitação do mineral permitiu que, há milhões de anos, os tecidos moles fossem substituídos e replicados em três dimensões”, explica, ressaltando que, pelo que ele tem conhecimento, é a primeira vez que este processo é identificado em tecidos moles de um fóssil de vertebrado.

O geólogo descreve que o processo de querogenização resulta da ação de bactérias metanogênicas (que eliminam gás metano). Comum na preservação de estruturas vegetais, este processo acontece quando, na ausência de oxigênio, as bactérias formam o querogênio – formado por partes insolúveis de matéria orgânica, composta por proteínas, lipídeos e carboidratos dos seres vivos. “Daí forma-se um carbono estável que será inalterado ao longo de milhões de anos”, destaca. “Além disso, o querogênio transforma-se em petróleo, gás natural ou grafite”, acrescenta. Segundo Osés, a querogenização gera uma fidelidade inferior em relação à piritização.

Os estudos permitem ainda outras constatações. Uma delas, segundo o geólogo, é a de que os fósseis piritizados foram formados em porção mais rasa do sedimento, pois foram depositados em uma taxa de sedimentação mais lenta. Já os fósseis querogenizados se formaram em partes mais fundas do substrato, já que foram sedimentados de forma mais rápida. “Todas as constatações de nossa pesquisa poderão servir de base para outros estudos geológicos que venham a identificar tecidos moles em fósseis”, afirma o pesquisador.

O artigo veiculado na revista Scientific Reports tem como base a dissertação de mestrado de Osés, Tafonomia de grupos fósseis do Membro Crato (Formação Santana, Bacia do Araripe, Eocretáceo, NE do Brasil): implicações geobiológicas, paleoecológicas e paleoambientais, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Geoquímica e Geotectônica do IGC, apresentada em 2016 e que teve a orientação do professor Setembrino Petri, do IGc, em colaboração com a professora Mírian Pacheco, da UFSCar, campus Sorocaba.

Além de Osés, participaram das pesquisas e assinam o artigo outros colaboradores. O trabalho foi desenvolvido em colaboração com diversos laboratórios brasileiros – LNLS, LNNano, LaPTec (Unesp), LEM (Instituto de Química da USP) – e teve o apoio financeiro da Fapesp e do CNPq, que concedeu a bolsa de mestrado de Gabriel Osés.

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