Folha de S.Paulo em 13/05/2017

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Pesquisadores brasileiros criaram um método que combina minúsculas partículas de prata com um antibiótico para tentar vencer a crescente resistência das bactérias aos medicamentos convencionais.

Em testes preliminares de laboratório, a abordagem mostrou bom potencial para enfrentar formas resistentes do micróbio Escherichia coli, que às vezes causa sérios problemas no sistema digestivo humano.

“Alguns sistemas podem até funcionar melhor no que diz respeito à capacidade de matar as células bacterianas, mas o ponto-chave é que as nossas partículas combinam um efeito grande contra as bactérias com o fato de que elas são inofensivas para células de mamíferos como nós”, explica um dos responsáveis pelo desenvolvimento da estratégia, Mateus Borba Cardoso, do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), em Campinas (SP).

Cardoso e seus colegas assinam estudo recente na revista especializada “Scientific Reports”, no qual descrevem o processo de produção da arma antibacteriana e seu efeito sobre os micróbios.

Esse mesmo grupo já utilizou nanopartículas para inativar o HIV e atacar somente as células tumorais, em caso de câncer de próstata, poupando as células saudáveis.

VILÕES DA RESISTÊNCIA

O aumento da resistência das bactérias causadoras de doenças aos antibióticos tradicionais é um caso clássico de seleção natural em ação que tem preocupado os médicos do mundo todo.

Em síntese, o que ocorre é que é quase impossível eliminar todos os micróbios durante o tratamento. Uma ou outra bactéria sempre escapa, e seus descendentes paulatinamente vão dominando a população da espécie e espalhando a resistência, já que os micro-organismos suscetíveis morreram sem deixar herdeiros.

Para piorar ainda mais o cenário, tais criaturas costumam trocar material genético entre si com grande promiscuidade, numa forma primitiva de “sexo”. Assim, os genes ligados à resistência diante dos remédios se disseminam ainda mais.

Já se sabe, porém, que as nanopartículas de prata (ou seja, partículas feitas a partir desse metal com dimensão de bilionésimos de metro) têm bom potencial para vencer as barreiras bacterianas e, de quebra, parecem induzir muito pouco o surgimento de variedades resistentes.

Por outro lado, essas nanopartículas, sozinhas, podem ter efeitos indesejáveis no organismo.

A solução bolada pelos cientistas brasileiros envolveu “vestir” as partículas de prata com diferentes camadas à base de sílica, o mesmo composto que está presente em grandes quantidades no quartzo ou na areia.

Por meio de uma preparação especial, a camada mais externa de sílica foi otimizada para receber moléculas do antibiótico ampicilina, já bastante utilizado hoje.

PAPEL E CANETA

Ao criar a combinação, o mais importante foi saber onde e como ancorar o antibiótico nas nanopartículas, explica Cardoso.

“Vamos imaginar que o antibiótico é uma caneta e a membrana da bactéria é uma folha de papel”, compara o pesquisador. “Se você colocar uma caneta deitada em cima da folha, é lógico que ela não vai ser perfurada pela ponta da caneta. Nosso colaborador da UFRGS [Hubert Stassen, do Instituto de Química da universidade] mostrou como o antibiótico interage com a membrana e nos ajudou a orientar o medicamento na superfície da nanopartícula. Por isso ele é tão efetivo.”

Testes feitos pela equipe mostraram que o conjunto afeta de forma específica as células da bactéria E. coli, tanto as de uma cepa de ação mais amena quanto a de uma variedade resistente a antibióticos, sem ter o mesmo efeito sobre células humanas –provavelmente porque a ampicilina se conecta apenas à parede celular das bactérias.

É claro que ainda é preciso muito trabalho antes que a abordagem dê origem a medicamentos comerciais.

Segundo Cardoso, o primeiro passo seria o uso de sistemas semelhantes em casos muitos graves, nos quais pacientes com infecções hospitalares já não respondem a nenhum antibiótico.

Para um emprego mais generalizado, provavelmente será necessário substituir o “recheio” de nanopartículas de prata por outras moléculas, mais compatíveis com o organismo.

O trabalho teve financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)

RepercussãoComércio do Jahu; Zero83; Polêmica Paraíba; Boa Informação

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