Tilt UOL em 29/08/2021

Imagem: Arte UOL

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Em 16 de outubro de 1964, dia em que a China testou sua primeira bomba nuclear, quase vinte anos depois dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki no Japão, um jovem de Sorocaba (SP) perguntou ao pai: “o que é esse negócio de energia atômica?”. O pai, que era funcionário público na prefeitura da cidade e não sabia explicar direito, respondeu: “é uma coisa muito perigosa”.

O alerta não assustou Adalberto Fazzio, que, na época com 14 anos, queria ser jogador de futebol. O interesse pelos átomos levou-o para longe dos gramados e o transformou num cientista que vive em laboratórios, investigando a mesma ciência que deu ao homem a bomba atômica.

Em vez de armas de destruição, o que o professor do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo) e diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) quer fazer é revolucionar a eletrônica com nanomateriais. Ele mesmo admite que se trata de um campo de estudos difícil de explicar — “meio esotérico”, segundo suas palavras —, que está na dianteira das grandes descobertas da complexa ciência dos objetos menores que átomos.

Seu foco é em nanomateriais bidimensionais — isto é, aqueles que contêm propriedades contraditórias, como ser fortes como o aço, mas leves como algodão, por exemplo. O mais conhecido deles é o grafeno, descoberto em 2004 e que rendeu o prêmio Nobel de Física para os russos Andre Geim e Konstantin Novoselov, em 2010.

Fazzio já investigou bem de perto o grafeno, mas hoje se dedica a outros materiais bidimensionais: os isolantes topológicos, que, diferentemente do grafeno, são mais fáceis de controlar ao conduzir eletricidade. Ele explica:

“São materiais isolantes, cuja superfície é metálica. Essa é uma propriedade muito interessante e com muitas aplicações. Muitas pesquisas usam esse material para desenvolver novos dispositivos, com velocidades muito maiores do que essa que a gente conhece a partir do silício.”

O cientista brasileiro também já publicou um artigo, em 2005, sobre uso de óxido de háfnio na diminuição do tamanho de transistores (aqueles pequenos dispositivos que controlam a corrente elétrica dentro de um aparelho eletrônico). Dois anos depois, a gigante Intel introduziu esse nanomaterial em seus processadores de computador.

 

Aplicação

Na prática, isso significa revolucionar o desempenho dos microchips —uma pequena estrutura que comanda as funções de máquinas como computadores, celulares, videogames e eletrônicos “inteligentes”.

Nas últimas décadas, o silício foi o material semicondutor usado em chips para lidar com a corrente elétrica que vem da bateria ou da tomada. Mas, com componentes eletrônicos cada vez menores, é preciso achar um material que possa ser reduzido às escalas nanométricas.

É aí que entram os isolantes topológicos, materiais que isolam correntes elétricas como uma borracha, mas têm uma superfície metálica para conduzir eletricidade.

O próprio grafeno pode ser transformado em um isolante topológico se você substituir o grafite em sua composição molecular por — adivinhe só — silício ou outro material semicondutor.

Ou seja, são materiais perfeitos para fabricar pequenos dispositivos, como sensores de sinais vitais ou de movimentos em relógios inteligentes, por exemplo, sem a complexidade de um processador que precisa fazer vários cálculos por segundo.

 

Futuro dos Nanomateriais

Com a experiência de quem já “previu” o uso de novos materiais nos chips que usamos hoje, Fazzio é categórico: estamos diante do futuro da eletrônica. Pode ser revolucionário e, por isso, ele concentra grande parte de seus estudos nesse novo tipo de nanomaterial, mas ainda é cedo para cantar vitória.

“Não há nenhuma aplicação ainda que você possa encontrar nas prateleiras”, diz Fazzio.

“Eu diria que eles poderão fazer nanodispositivos como um sensor que avisa o processador do celular quando é hora de colocá-lo na tomada porque a bateria está acabando, por exemplo], não um chip, com muito mais eficiência do que nós temos hoje em dia. Coisas pequenas que não precisam de uma integração muito grande. Nesses casos, certamente sim, eles poderão substituir o silício.”

Faz parte do seu trabalho como físico teórico —e não experimental— chegar a cálculos matemáticos que possam prever o comportamento de materiais. Isso quer dizer debater composições atômicas que sequer foram inventadas ou descobertas.

“As minhas pesquisas eu não consigo enxergar nas prateleiras. Muitos trabalhos meus foram utilizados, mas as coisas vão evoluindo e depois aparece lá um determinado produto. Mas de falar ‘puxa vida, eu botei um produto na prateleira’, não.”

 

Como anda a ciência brasileira

É justamente “colocar um produto na prateleira” a principal preocupação de Fazzio em relação ao estado da pesquisa em nanomateriais no Brasil. O cientista acredita que, mais do que investimentos, o Brasil precisa de mais recursos humanos na área.

“Do ponto de vista de publicações, devemos ser o 15º ou 16º país que mais publica em revistas internacionais. Mas se pensar em per capita, com o tamanho da nossa população, esse é um número baixo”, diz Fazzio. “Como nós vamos incentivar nossos jovens a fazer ciência e engenharia? Muitos vão para o exterior e nem voltam mais.”

Para ele, o único jeito de colocar o Brasil para competir de igual para igual com gigantes ricos é aumentar o investimento público em ciência e tecnologia para o equivalente a 2% do PIB (Produto Interno Bruto) — o que, ele admite, não tem ideia de como fazer. “Não cabe a mim, cientista, dizer.”

Mas ele acredita que o setor privado também precisa contribuir, buscar laboratórios públicos de universidades e realizar parcerias. “As empresas contribuem com muito pouco. Se você tirar a parte da Petrobras, que coloca dinheiro em pesquisa, vai ver que nosso investimento está abaixo de 0,5% [do PIB].”

“Eu faço um nanomaterial bonito e tal. Mas, e depois? Como eu vou dar uma função e transformar isso num dispositivo, um sensor? Não consigo fazer um chip, porque ninguém concorre com as grandes empresas do mundo [como a taiwanesa TSMC e a americana Intel]. Nessa parte, eu acho que nós deveríamos dar maior atenção”

Este texto faz parte da série “Made In Brazil“, que descreve o trabalho de 12 cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais (e já falou sobre os cientistas que estão revolucionando o combate ao coronavírus). Estudando partículas de um milionésimo de milímetro, eles se debruçam para achar respostas capazes de revolucionar o futuro da humanidade. Leia mais aqui.

 

Repercussão:  Acesso Wi-Fi.comPortalrondonia.com24 Brasil

O post Adalberto Fazzio, o pioneiro do grafeno que quer reinventar o microchip apareceu primeiro em CNPEM.