O câncer de mama é uma das doenças mais frequentes e letais em todo o mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde revelam que a cada ano são diagnosticados cerca de 2 milhões de novos casos e a estimativa é que possam resultar na morte de mais de 600 mil pessoas em 2018. Por essa razão, o diagnóstico precoce e preciso da doença, especialmente em regiões mais pobres, é um enorme desafio.

Em busca de contribuir para solucionar esse grave problema, pesquisadores do CNPEM, com o apoio da UFSCar e do Hospital de Câncer de Barretos, conseguiram desenvolver um microdispositivo que reúne características fundamentais para tornar mais prático, acessível e portátil o diagnóstico do câncer de mama.

O resultado do esforço coletivo foi o desenvolvimento de um kit portátil para exames de fácil operação, baixo custo, portátil e capaz de fornecer resultados com o mesmo nível de confiabilidade de equipamentos caros, sofisticados e de grande porte. Como outra vantagem que faz toda a diferença, o kit viabiliza diagnósticos em minutos, enquanto os métodos convencionais demandam horas. Os resultados foram publicados e destacados em capa no periódico Analytical Chemistry, revista científica mais importante da área e publicada pela Sociedade Americana de Química (American Chemical Society, ACS).

Microdispositivo e smartphone compõem kit de exame

De acordo com o químico Dr. Renato Sousa Lima, pesquisador do LNNano/CNPEM que coordenou o projeto, a combinação de conhecimentos de profissionais com experiência nas áreas de química, biologia e ciência da computação contribuiu para a superação de desafios científicos e tecnológicos que poderiam encarecer o projeto e dificultar a produção do dispositivo. “Do ponto de vista científico, desenvolvemos um novo tipo de sensor (microdispositivo que irá interagir com as amostras) que possibilitou o diagnóstico a partir de componentes de baixo custo. Além disso, a montagem do microdispositivo não necessita de ambiente ou maquinário sofisticado e possibilita produção em larga escala. Por outro lado, de um ponto de vista de engenharia e tecnologia, utilizamos um equipamento de medida portátil (alimentado por bateria) e smartphone para permitir análises por kits transportáveis a mão e por profissionais não especializados em análises clínicas. Todas as características listadas acima tornam viável, futuramente, o uso rotineiro do método desenvolvido em hospitais e redes de saúde”.

O microdispositivo é um sensor que usa fundamentos da microfluídica (fluidos em canais de dimensões micrométricas, 10–6 m) e eletroquímica (interação entre amostra e eletrodo na presença de eletricidade) para determinar concentrações da proteína CA 15-3, um conhecido biomarcador do câncer de mama. Em outras palavras, a presença desse tipo de câncer leva a um aumento significativo na quantidade de CA 15-3 presente no sangue. Essa quantidade aumenta à medida que o estágio da doença avança. Assim, a análise da concentração da proteína CA 15-3 permite não apenas o diagnóstico clínico sobre a ocorrência ou não do câncer de mama, mas também sobre o seu estágio de evolução.

As vantagens do método proposto

O sistema desenvolvido no LNNano/CNPEM apresenta vantagens importantes em relação aos kits de teste ELISA que também se baseiam na interação específica entre antígenos e anticorpos para quantificação de biomarcadores de câncer. Essas vantagens dizem respeito a fatores como simplicidade operacional, volume de amostra, tempo de análise, custo e sensibilidade.

Para fins de comparação, a técnica ELISA requer um volume de amostra de 20 microlitros e leva quase 2 horas para a emissão de resultado da análise. Esses kits são descartáveis e o seu custo unitário no mercado é da ordem de R$5 mil. Já o seu custo de análise gira em torno de R$50 reais. No método baseado em capacitores e smartphone, o volume de amostra (soro de pacientes) necessário para a análise é de apenas 5 microlitros. Esse volume é 10 vezes inferior ao de uma gota e 4 vezes menor do que aquele requerido pelo teste ELISA. Já o resultado para uma amostra pode ser obtido em apenas 15 minutos e o custo de produção de um microdispositivo é de aproximadamente R$3 reais. Essa produção é facilmente escalonável o que permitiria a montagem de centenas de microdispositivos em menos de 1 hora. Nesse caso, o custo de produção seria reduzido drasticamente. O microdispositivo não é descartável, garantindo dezenas de análises confiáveis a partir de uma única unidade do sensor. O seu custo de análise é da ordem de R$10 reais. Esse valor é também expressivamente inferior quando comparado com a tomografia computadorizada (R$400 a R$800 reais), que é um dos métodos mais usados em todo o mundo para o diagnóstico do câncer de mama.

 

O diagnóstico

Para que a análise possa ser feita pelo microdispositivo, é necessária uma etapa anterior comum na rotina de diagnósticos clínicos baseados na análise de biomarcadores, o imunoensaio. Esse teste seleciona apenas a proteína de interesse (CA 15-3 no nosso caso) dentre outras centenas presentes no soro humano por meio de interação química com um anticorpo específico àquela proteína.

No método proposto pelos pesquisadores, o anticorpo seletivo ao CA 15-3 esteve presente sobre as superfícies de partículas magnéticas. A princípio, essas partículas foram adicionadas a um frasco contendo a amostra de soro de paciente. Esperou-se então um tempo de até 10 minutos para que ocorresse a reação química entre a proteína, CA 15-3, e o anticorpo. Em seguida, as partículas magnéticas (que continham sobre as suas superfícies os conjugados de proteína e anticorpo) foram retidas no fundo do frasco com o auxílio simplesmente de um pequeno ímã. Nesse momento, o soro foi eliminado do frasco e substituído por água.

Uma vez finalizada a etapa de imunoensaio, a água contendo conjugados de partículas magnéticas/anticorpo/CA 15-3 foi então injetada no microdispositivo por meio de uma simples seringa de plástico para análise automática que levou menos de 2 minutos. O microdispositivo é uma peça de polímero flexível e de baixo custo denominado poli(dimetilsiloxano), que continha microcanais para o transporte de fluidos com a proteína. Nessas microestruturas, foram inseridos manualmente microtubos de aço inoxidável que atuaram como eletrodos. É importante ressaltar que, pelo fato do sensor não entrar em contato direto com a amostra de soro, mas com água, o sensor não é descartável podendo ser usado dezenas de vezes.

A inovação científica da pesquisa

Os microtubos de aço inoxidável, comprados a um preço reduzido no mercado em grandes quantidades, foram empregados para o diagnóstico sem qualquer tipo de tratamento químico. Modificar quimicamente as superfícies de eletrodos com nanomateriais como partículas metálicas, nanotubos de carboro e grafeno é o método mais usual para aumentar a sensibilidade do sensor e, assim, conseguir determinar com precisão mesmo mínimas concentrações de biomarcardores em soro humano. Mas esse recurso tornaria o método mais caro, porque demandaria o uso de reagentes de alto custo, afetaria a sua reprodutibilidade e não permitiria a produção em passa do microdispositivo por envolver etapas demoradas (até 5 horas), inibindo o seu uso no dia a dia dos hospitais.

Como solução, os pesquisadores desenvolveram uma alternativa inédita para conseguir a determinação de pequenas concentrações de biomarcador sem qualquer modificação da superfície dos eletrodos. Nesse caso, os microtubos de aço constituíram uma associação de capacitores em paralelo onde a sensibilidade do método foi aumentada simplesmente através do aumento no número de capacitores dessa associação. Essa estrutura com apenas 4 capacitores em paralelo foi capaz de determinar com precisão mesmo concentrações mínimas da proteína CA 15-3, o que levou ao diagnóstico precoce do câncer de mama.

Resultado na tela do smartphone

Para a realização das medidas de capacitância a partir do microdispositivo, os pesquisadores utilizaram um equipamento comercial portátil controlado por smartphone. Com a ajuda de um aplicativo de smartphone, recurso de uso popular, os dados gerados durante a medida podem ser recebidos por meio de uma conexão bluetooth e, instantaneamente, processados. Ademais, o uso do smartphone possibilita a telemedicina, ou seja, o envio de dados do local de análise a centros especializados para análise pormenorizada por profissionais capacitados.

Rede de colaborações

Enquanto o sensor foi desenvolvido no LNNano/CNPEM em trabalho que contou, dentre outros, com o pós-doutorando Dr. Ricardo Alexandrino G. de Oliveira sob a supervisão do Dr. Lima, a colaboração com o Dr. Ronaldo C. Faria, professor do Departamento de Química da UFSCar, foi essencial pela sua experiência no uso de dispositivos para o diagnóstico de diferentes tipos de câncer. Além disso, foi fundamental a parceria com o Hospital de Câncer de Barretos através dos seus pesquisadores Dr. Matias E. Melendez e Dr. André L. Carvalho. O hospital forneceu amostras de soro de pacientes com câncer de mama em diferentes estágios. De acordo com o Dr. Lima, a possibilidade de testar o método de diagnóstico com amostras reais, e não sintéticas, deu ainda mais confiabilidade aos resultados. “Os resultados obtidos pelo nosso método foram similares àqueles da técnica usada pelo hospital diariamente”. O pesquisador ainda ressalta: “Essa rede de colaborações e conhecimentos complementares é essencial nos dias de hoje para se fazer pesquisa científica de alto nível. Eu vejo que esse pensamento construtivo tem aumentado ultimamente no Brasil, algo muito positivo para a nossa ciência”.

Perspectivas e próximos passos

Os resultados obtidos com o sensor abrem novas perspectivas de custo, portabilidade, rapidez e simplicidade operacional para o diagnóstico de câncer de mama. Os próximos passos do grupo de pesquisa passam por maiores estudos do sensor, pelo uso de um equipamento de medida de capacitância homemade de baixo custo e pela aplicação a outros tipos de câncer para atestar o potencial real da pesquisa para o diagnóstico tumoral. No momento, estamos tornando o método em uma plataforma do tipo sample-to-answer. Esses métodos não mostram ao operador gráficos referentes à medida elétrica ou dados de concentração, mas o resultado final de interesse que, no nosso caso, é a conclusão do diagnóstico sobre a presença ou não do câncer e o seu estágio. Essa informação estará disponível na tela do smartphone logo após o diagnóstico. Para isso, um programa em Android se encontra em fase de instalação no smartphone para processamento automático dos dados gerados de capacitância. Em uma análise real, isso elimina a necessidade de operadores especializados para o processamento e a interpretação dos dados gerados pelo microdispositivo.

Referência

Ricardo A. G. de Oliveira, Caroline Y. N. Nicoliche, Anielli M. Pasqualeti, Flavio M. Shimizu, Iris R. Ribeiro, Matias E. Melendez, André L. Carvalho, Angelo L. Gobbi, Ronaldo C. Faria e Renato S. Lima. Low-cost and rapid-production microfluidic electrochemical double-layer capacitors for fast and sensitive breast cancer diagnosis. Analytical Chemistry, 2018, DOI: 10.1021/acs.analchem.8b02605.

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